Nina Sampaio
2 min readAug 15, 2021

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Vida-lazer

Concluí um calendário pesado de trabalho dois dias antes de meu aniversário. Era o mês de junho. De lá, para cá, me encolvi com outras resoluções pesadas, mais longas e lentas de preparação de ambiente para a chegada do bebê e que não envolvem apenas a mim. Quase dois meses solta do cronograma, sinto um vazio enorme e a sensação de não-trabalho quase chega a me pirar. Entre uma resolução e outra, vagueio por livros soltamentente e a cabeça é um juíz feroz a me apontar que haverá consequências de eu não estar trabalhando com o afinco de antes. Mais do que discutir capitalismo e produtividade dentro da academia, sei que a análise para esse mal-estar tem a ver com gênero também. Entrei na estatística das que vivem o impacto da baixa produtividade por ter engravidado. Já já por ter me tornado mãe. O terror já me toma (a cabeça martela "ainda falta cronograma"). E não serão duas palavras de autoajuda que derrubarão a mão pesada de um sistema cruel na vida de uma mulher. Eu tenho consciência de que não tem a ver comigo sentir assim. Não que eu não precise de palavras de carinho e incentivo. Mas seria mais eficaz compromisso de luta contra as disparidades de gênero em todos os espaços, sempre de olho nos nós da interseccionalidade. Poder gozar de flexibilizações, aumentos de prazos, redistribuições, tudo sem o terror de dedos a apontar possibilidade de falha ajudaria e não apenas a mim.

📸Na imagem, está Patrícia Simone da Silva, personagem do filme "Viajo porque preciso, volto porque te amo". A uma certa altura ela nos diz "...eu queria ter, realmente, meu sonho é tão alto nesse momento, era uma vida lazer para mim e para a minha filha e mais nada". É domingo, ainda não são 7h da manhã e eu não consigo uma vida lazer. Me junto a Patrícia Simone em sonho e gana. E odeio pensar que pode rolar de me colocarem no colo soluções individualistas e rasas para amarras tão duras para nós mulheres e mais cruéis para umas (que não sou eu) do que para outras.

Colem com Patrícias Simones. Em tempos de uberização/plataformização de trabalho, de perdas de direitos de todas as ordens: colem com a poesia sem deixar a política de fora: é sobre a vida de cada um de nós, que juntos, somos coletivo.

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